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Highway 61

Julho 5, 2020

Sobre o simples

Por Manuel Pureza.

Nunca vamos ler todos os livros do mundo, nunca vamos ver todos os espectáculos teatrais que existem, nunca vamos poder ver todos os filmes, nem sequer ouvir todos os álbuns de que, de certeza, gostaríamos.
Numa masterclass disponível na web, Martin Scorsese dá conta de como na sua infância e juventude a tarefa de ver todos os filmes estava mais facilitada (afinal de contas o cinema era ainda um adolescente em formação nessa altura, por oposição a um ancião com mais de um século de vida no ano 2020).

A ideia de finitude manifesta-se nessas metas inalcançáveis e é vertiginoso quando perdemos tempo a pensar nisso. Perdemos sim. Não há outra forma de pôr as coisas; mas a reflexão a que isso nos obriga pode, acho, fazer-nos crescer. Valerá a pena acelerar o passo nesta maratona interminável, para tentar, pelo menos, ver o máximo de obras possível enquanto por cá andamos? A resposta imediata do leitor que se pica com a provocação será: “claro, nunca é de mais aprender”. A resposta incauta, e não menos imediata, do leitor que nem sabe bem como veio dar a este texto será: “tenho lá eu tempo e paciência para me dedicar a isso?!”. A resposta do artista (espécie em vias de extinção) será: “as obras pré-existentes são manifestações ultrapassadas, arquivo, não interessam mais”.

A opinião sobre isto é, em si, um ponto de vista sobre a morte. Qualquer perspectiva sobre a morte tem a sua razão de ser — o saber pode ser um fardo, tal como as duas personagens de Cormac McCarthy na sua peça de teatro The Sunset Limited nos lembram:

“…
BRANCO – Muitas coisas. Coisas culturais, por exemplo. Livros e música e arte. Coisas como essas.
PRETO – Muito bem.
BRANCO – Esse é o tipo de coisas que têm valor para mim. Elas são as fundações da civilização. Ou costumavam ter valor. Suponho que agora já não tenham tanto valor assim.
PRETO – O que é que lhes aconteceu?
BRANCO – As pessoas deixaram de as valorizar. Eu deixei de as valorizar. Até a um certo ponto. Não tenho a certeza se lhe consigo dizer porquê. Grande parte desse mundo desapareceu. Brevemente, desaparecerá por completo.
PRETO – Não sei se estou a perceber, Professor.
BRANCO – Não há nada para perceber. Está tudo bem. As coisas que eu amava eram muito frágeis. Muito frágeis. Eu não sabia isso. Pensava que eram indestrutíveis. Não eram.
PRETO – E foi isso que o levou até ao limite da plataforma. Não foi nada pessoal.

BRANCO – Isto é pessoal. É o que uma educação faz. Torna o mundo pessoal.”

Na peça, BRANCO é professor e tentou suicidar-se, tendo sido salvo por PRETO, sem que o primeiro desse conta da sua presença na plataforma do comboio quando se lançou para a linha. Num diálogo existencialista maravilhoso, o saber é uma ameaça porque prova que o mundo é frágil, como são os clássicos que o professor leu. Morreram já, e na ocasião de um homem se descobrir já velho, olhando para o que foi a sua vida e para o que consumiu em termos culturais, e percebendo que tudo isso morre com ele, conclui que esse esforço não o salvou em nada. Confesso que quando li esta peça de teatro, suei. Vi-me confrontado com duas perspectivas sobre a vida, e duas perspectivas sobre a morte que assentam precisamente em saber mais, ou saber menos, e em que medida é que ir por um caminho ou por outro, nos aproxima de uma vida mais plena e/ou de uma morte mais ou menos serena.

O Joker, de Batman, é um agente do caos que nos seduz. Porque será? Creio que é precisamente por nos lembrar de que, no fim, é tudo uma piada, e a piada é sobre nós. Nós que nos achávamos muito criativos, nós que ansiávamos por mais reconhecimento, nós que procurávamos mudar o mundo com as nossas atitudes, nós que quisemos sempre mais, para sermos mais — no fim, somos iguais na morte, acaba de repente, desliga-se a luz, tanto para o homem comum, como para o autor grego clássico que ainda hoje é lido. Faz lembrar o conto da Morte Madrinha dos irmãos Grimm, que é escolhida pelo pai da criança que procura um padrinho ou uma madrinha para o filho e que, tentado por riquezas, por sábios, opta pela morte, por saber que é a única que trata e cuida de todos por igual. Sinistro!

O meu ponto nesta crónica tão mórbida é este: a minha posição perante este paradoxo sacana que nos envolve num remoinho infernal, é aquele que me fica de uma conversa com o meu pai quando era miúdo e não conseguia dormir por estar a pensar no porquê das pessoas terem de morrer: “não penses nisso, estás a desperdiçar tempo”.

Simples.
Por isso sim, aposto que ver um filme por dia, ler o máximo que conseguir, ver o máximo que puder e tentar sucumbir o menos possível à preguiça é, forçosamente, tornar-me num vivo mais interessante, e muito menos num morto angustiado. Woody Allen resume essa ideia da melhor forma quando confessa em entrevista que não costumava ler muito quando era miúdo, até perceber que quanto mais lia, mais conversas interessantes conseguia ter com as melhores representantes do sexo feminino.
No topo da torre das considerações, tenho a certeza que se “perdêssemos” mais tempo a consumir obras literárias, teatrais e cinematográficas, como todas as outras formas de arte enquanto sociedade, com toda a certeza a espécie se elevaria a mais do que se tem oferecido a si mesma e ao planeta. A arte é transformadora. A espécie humana considera-a, cada vez mais, como uma coisa elitista e isolada, uma “palermice”, uma “excentricidade”, e, por causa disso, caminha para o embrutecimento e a falta de educação.

Posso começar eu, acho, sem querer que isto seja lido como se me estivesse a armar ao pingarelho; quero, apenas, começar uma conversa: “Eu agora estou a ler um livro do Charles Bukowski e a ver um filme, ou um episódio de uma série por noite, nesta merda desta pandemia, e tu, que é que tens feito?”.

Manuel Pureza
Manuel Pureza

ID

Manuel Pureza 1984

Realizador de televisão e cinema, conta com algumas curtas metragens premiadas nacional e internacionalmente, bem como alguns videoclips para algumas das mais importantes bandas nacionais. 

Vencedor do Motelx em 2012 e nomeado para dois international Emmy Awards

Faz parte do Colectivo Meia Laranja e é produtor na Coyote Vadio

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José Fidalgo

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